OCTÁVIO AUGUSTO
MEMBRO DA COMISSÃO POLÍTICA
DO CC DO PCP
É preciso mudar
Em Santarém, abriu mais um espaço comercial, o Retail Park. Na ocasião, o principal investidor afirmou estar surpreendido com a adesão dos consumidores da região que, segundo ele, ao contrário dos de outras zonas do país, vivem confortavelmente e com um nível de vida assinalável!
A estas declarações juntam-se as do presidente do município que, enaltecendo as virtualidades deste negócio, rejubilou com a possibilidade de ali serem criados 1500 postos de trabalho. Mas sobre as enormes dificuldades do comércio tradicional da cidade, que agora vê complicar-se ainda mais a sua periclitante situação, nem uma palavra disse!
Os menos informados julgarão que por aquelas bandas se vive uma realidade de excepção relativamente ao que se passa por esse País fora… A coisa porém é substancialmente diferente.Numa visita rápida àquele novo local de culto do consumismo, constata-se que a quase totalidade dos produtos ali vendidos ostentam a etiqueta made in qualquer local menos Portugal. Terminado o périplo, nada melhor que uma pizza, daquelas só possíveis de saborear no Ribatejo, alta e fofa… Na conversa com a jovem de 19 anos que nos serviu, ficámos a saber que ela, para além de estudante, fazia um part-time na pizzaria, outro no Feira Nova e outro ainda numa pastelaria e que os pais trabalham nas cervejas Cintra (agora Drinkin), todos vivendo com dificuldades. Sabe-se porquê: esta unidade fabril foi construída com fortes apoios públicos europeus, governamentais e autárquicos (isenção vitalícia de derrama e de contribuição autárquica e o acesso, sempre que necessário, à rede de água pública, de borla…) e teve honras de inauguração pelo Presidente da República! Na altura, o insuspeito Sousa Cintra afirmava que o grande objectivo estratégico do projecto era conseguir uma importante quota de mercado da cerveja no Brasil.
Hoje, qual é a realidade? O negócio do Brasil transformou-se numa miragem e os trabalhadores não são aumentados há sete anos! Entretanto, o Sr. Cintra, habilidosamente, sacou o capital investido e os respectivos lucros e deu à sola para outras paragens (certamente prosseguindo os seus corajosos e audazes investimentos, sempre cobertos com dinheiros públicos, é claro…) e a empresa está entregue a um consórcio bancário – em que a CGD é determinante –, que administra a empresa com o objectivo de provocar o seu encerramento e levar para o desemprego os 135 trabalhadores que restam.
Protestos aumentam
A poucos quilómetros dali, na área de serviço de Santarém, oitenta trabalhadores, fartos de promessas por cumprir e da actuação arbitrária da administração, decidiram paralisar no dia 5 de Junho. No local, ao mesmo tempo que distribuíam um documento explicando as razões da sua luta, receberam ao longo da manhã a solidariedade dos trabalhadores que, deslocando-se em autocarros, se dirigiam para a grande manifestação de Lisboa.
A situação social na região, à semelhança da do país, agrava-se a cada dia que passa. Sucedem-se as empresas em dificuldades, os despedimentos, os salários em atraso.Acentuam-se as desigualdades, a pobreza alastra. As notícias relatam uma situação de excepcional gravidade, em que o aumento acentuado do recurso a instituições de solidariedade atinge números preocupantes.
O desemprego atinge 8 a 9% da população activa, sendo 30% de longa duração; Os trabalhadores precários representam mais de 16% e destes, 41% são jovens;
O tecido económico assenta cada vez mais nas actividades não produtivas (61% no médio Tejo), ao mesmo tempo que desaparecem as grandes unidades industriais, em particular na indústria transformadora. Na região, 90% das empresas têm menos de 10 trabalhadores.
Numa zona com excelentes condições para a agricultura, em dez anos, o número de explorações agrícolas passou para metade. Crescem os terrenos ao abandono e até as produções tradicionais, como o tomate e o melão, têm um acentuado decréscimo.
Avolumam-se as assimetrias entre concelhos. A desertificação será uma realidade a curto prazo.
Com o ataque às funções sociais do Estado, agravam-se os problemas na saúde, com a reestruturação do Centro Hospitalar do Médio Tejo e com o hospital de Santarém a rebentar pelas costuras, ao mesmo tempo que o número de utentes sem médico de família não pára de aumentar, passando, em pouco tempo, de 50 mil para 56 mil, devido à não substituição de médicos que entretanto se reformaram.
No final do ano a situação poderá atingir a rotura.Insensível ao estado a que o país chegou, fruto das suas políticas, o governo do PS vai prosseguindo a sua ofensiva e faz de conta que ignora os protestos e a luta que se intensifica e que ganha cada vez mais adesão.
Luta que prossegue já no dia 17 com um forte buzinão contra o aumento do custo de vida e dos combustíveis e que continua com a jornada nacional descentralizada convocada pela CGTP para o dia 28 de Junho.Alguns ficam-se pelo diagnóstico, ignoram as causas e não apontam os responsáveis! Mas é preciso passar das palavras aos actos: não se pode estar bem com deus e com o diabo!É tempo de lutar por uma verdadeira mudança de políticas, por numa alternativa política em que o PCP se assume como força determinante.